Capa

O descompasso do Governo Trump

15.05.2025  |    409 visualizações Emanuel Pessoa

Por Emanuel Pessoa

Donald Trump voltou ao cargo com uma agenda agressiva, incluindo tarifas unilaterais para todos os países, mas particularmente mais elevadas sobre as importações chinesas. É a retomada da lógica do “America First”, só que sem sutileza e mais efeitos colaterais, causando incerteza no mercado.

As tarifas devem elevar o custo de vida nos Estados Unidos (EUA), pois pressionam a inflação de bens importados e embaralham as cadeias produtivas globais. O discurso é de proteção da indústria americana, mas o risco de retaliação pelos outros países é real e crescente, como se vê das reações chinesas.

O presidente americano retirou os Estados Unidos de fóruns multilaterais que considerava "lentos" ou “hostis”, como a Parceria do Indo-Pacífico, além de cortar verbas para organismos internacionais, dando declarações hostis contra a ONU, OTAN e OMS. Particularmente no caso da OTAN, há forte pressão para aumento dos gastos militares dos membros da Aliança, reduzindo os pagamentos norte-americanos, além de  criar demanda para os fornecedores bélicos dos EUA. 

O vácuo de liderança tem sido ocupado pela China e, em menor grau, pela Europa. Se no passado o multilateralismo predominava, com Trump a lógica é de acordos bilaterais nos quais a América tenha claras vantagens na negociação. Embora ele possa colher ganhos imediatos, há riscos de perda de confiança no longo prazo, prejudicando o soft power americano. 

Uma nova rodada de cortes de impostos para empresas entrou na pauta do dia, para tornar as reduções do primeiro mandato permanentes.  Desregulamentações ambientais e financeiras também têm ocorrido sob a justificativa de “libertar o setor produtivo”, embora sejam uma forma de reduzir a demanda por equipamentos e materiais menos poluentes, áreas nas quais a China domina a produção, e aumentar a utilização de combustíveis fósseis, setor dominado pelos Estados Unidos. 

Na questão das fronteiras, Trump cumpriu à risca suas promessas de campanha, reduzindo em mais de 95% a imigração ilegal, além de intensificar deportações. Em vários casos, tem havido reclamações fortes dos Democratas por considerarem que vários casos teriam ferido o devido processo legal.

Cada novo atrito acelera essa desconexão. E se o dólar perder espaço como moeda de referência global, os EUA enfrentarão uma erosão de poder sem precedentes, perdendo a capacidade de financiar déficits a custos baixos — o que, ironicamente, pode tornar a economia americana mais vulnerável a longo prazo.

*Emanuel Pessoa é advogado especializado em Direito Empresarial, Mestre em Direito pela Harvard Law School, Doutor em Direito Econômico pela USP e Professor da China Foreign Affairs University, onde treina a próxima geração de diplomatas chineses.